19 outubro 2022

A PÉTALA

(Brita-Seifert)
                                                            

                                                      

O que representa uma pétala? Por si só, nada. Partícula que se desprendeu de uma flor, em momento de despedida. Quando a tocamos, percebemos maciez e também beleza. Não se incomoda de ter sido levada pelo vento porque , ao nascer, já sabia da efemeridade de sua existência. Enquanto fazia parte do botão, a expectativa do desabrochar. Depois desse encantamento, o beijo das coloridas borboletas, que da flor  sugavam o néctar adocicado em uma dança cheia de magia. Tudo perfeito, até aquela pétala que caiu aos meus pés, enquanto tomava uma taça de vinho na varanda da casa de uma amiga, e me levou a refletir sobre beleza, tempo, importância da vida.

Já fui botão, já desabrochei, já exalei perfume e já mostrei entusiasmada vida a quem me observou, comigo conviveu, me amou ou nutriu por mim sentimentos negativos. Ao contrário do que ocorre na natureza, não gosto de pensar em efemeridade e sei que não consegui despertar em todos um olhar de luz, de contentamente, de afeição. Algumas vezes sequer me preocupei com isso, mas em outras me senti magoada com demonstrações de falta de empatia, de incompreensão, de críticas e, o pior, da sensação de invisibilidade.

Já perdi pétalas pelos caminhos. Podem ter sido guardadas com ternura ou talvez jogadas ao lixo. Foram elas minhas experiências de vida, meus passos, meus atos, minhas palavras... partes de mim cuja ausência não prejudica o todo hoje ainda existente, exceto pelas cicatrizes. Sei que muitas outras vou perder pois isso faz parte da jornada. Ao contrário das flores que, após se abrirem lindamente, fenecem rápido dando lugar a outras, permanecemos no jardim por longo tempo, mas passamos a cultivar  o medo do vento e das tempestades, em vista da fragilidade que os anos nos impõem. O desapego é fácil quando se trata de bens materiais, mas duríssimo quando olhamos as pessoas que amamos, independente do tempo em que estejam nesse jardim. Desejamos um convívio eterno, ainda que todos percam suas pétalas e precisem de cuidados especiais.

Passamos por  muitas mudanças, colecionamos conquistas e também perdas, saboreamos alegrias e derramamos lágrimas frente às frustrações. Vivenciamos os dias de forma diferente e percebemos que nosso olhar se torna cada vez mais sensível a tudo que nos cerca. Abraçamos o que é de fato importante e lidamos melhor com os imprevistos. Chegamos a um ponto em que , mesmo que as fotos estejam descoloridas, nós as valorizamos por demais. 

Como parte desse jardim onde todos estamos inseridos, continuamos a sonhar e não perdemos o encantamento que nos oferece a vida. Aquela pétala desgarrada, vou colocar dentro de um livro, relembrando antigos hábitos, para que me lembre, sempre, que são as pequenas alegrias, notadamente as advindas do amor a tudo e a todos, que nos permitirão , mesmo perdendo o ritmo, continuar essa dança maravilhosa do existir.

Tudo culpa do vinho!!!


                                                                 Marilene


12 comentários:

  1. rssssss...O vinho te fez refletir ,mas tua inspiração dele não precisa! Grandiosa sempre... Todos passamos por tudo isso: botões, desabrochamos, enfeitamos, perfumamos... Eu, com os quase 74, imagina o que sobrou, rs...Meu Deus...Quando vi a imagem ao espelho, lembrei do quanto era bem melhor a olhadela nele quando ainda não despetalada estava... Mas, a vida é assim! Mas o bom dela é que apesar de tudo, não perdemos a capacidade de nos encantar com cada coisinha que "pinta" no nossos dia. Não podemos perder tempo e por isso, valorizamos tudo. E que coisa legal as flores dentro dos livros...Cada florzinha, cada papelzinho de bombom, balinha ,entrada de cinema, neles guardados, tinha um significado... beijos, tudo de bom,ADOREI! chica

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  2. Coisas tuas e de todas nós... Com vinho, ou sem vinho...
    Gostei de te ler, querida amiga...
    Que os teus caminhos doravante sejam leves e lindos. Bjos
    ~~~~~~~~~~~~

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  3. E vamos que vamos continuar, sem desanimar, essa dança do existir, Marilene.
    E saiba que conseguistes despertar em mim muita simpatia.
    Te desejo uma abençoada tardinha.
    Beijinhos
    Verena.

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  4. Gostei muito deste seu texto. Somos pétalas, tantas vezes caídas, mas que o perfume não se perca de nós.

    Beijinhos, Marilene!

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  5. Como me identifiquei com esta jornada tão bem colocadas em cada etapa. Quantas pétalas foram lançadas e algumas se perderam, mas faz parte. Ergamos a taça num brinde ao espetáculo maior que é o viver.Boa noite

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  6. Um texto cheio de sensibilidade e muito reflexivo.
    Não foi culpa do vinho minha amiga, foi apenas um desabafo de uma alma em estado criativo e emotivo.
    Gostei muito.
    Bom final de semana.
    :)

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  7. Louvado seja, então, o vinho! Sempre gosto dos seus textos, amiga; mas este é especial: exala poesia e sabedoria por todas as palavras, se me permite a imagem. Como se escrito em pétalas fosse! Meu abraço, boa semana.

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  8. Coitado do Vinho. Pagando por um erro que não cometeu. Rsrs. Lindo Marilene! Parabéns!

    Beijos e uma ótima semana para ti e para os teus.

    Furtado

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  9. Texto maravilhoso, em prosa poética, que nos convida a olhar para as coisas da vida com profundidade, reflectindo e colocando cada momento no sítio certo ou no sítio que
    gostaríamos que estivesse. À vista de uma pétala desgarrada da sua flor quantos
    pensamentos nos podem assaltar e a lembrança do seu perfume e do que se viveu
    a fazerem-se presentes.
    Costuma-se dizer "in vino veritas", mas aqui ele não foi tido nem achado. :)
    Sempre nos surpreendendo com a sua capacidade de escrita.
    Com grande talento.
    Beijinhos
    Olinda

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  10. Há que guardar as pétalas que nos trazem as boas memórias vividas.
    Belíssima reflexão
    Beijinhos

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  11. Aguardando a próxima postagem, amiga. E, mais uma vez, agradecendo ao vinho. :) Meu abraço, boa semana!

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  12. O vinho? Santo vinho que te levou a refleti e escrever um texto tão verdadeiro para nos oferecer. E lendo, foi passando em minha mente um filme de vida, da minha vida, da vida de todos enfim. E tudo escrito com perfeição, um texto poético, aveludado como a poesia, e instigante. E também uma saudades de nós...
    Marilene, te aplaudo daqui, e chegará aí com admiração e carinho!
    Uma semana feliz, bem que a coisa política está encrencada, e não vou falar para não tirar o brilho do que acabei de ler.
    Um beijo, querida!

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