26 março 2011

O PRÍNCIPE DESENCANTADO



O tempo mudou a imagem do sonho das jovens, mas manteve a ilusão do homem perfeito, pronto para satisfazer todos os seus desejos; do cavalheiro, do príncipe encantado. Hoje, não esperam que chegue em um cavalo branco, pois seria atropelado em nosso caótico trânsito. Aguardam, porém, que venha em um belo carro, com um sorriso aberto, disposto a levá-las ao paraíso.

Infelizmente, as própria mães incentivam suas filhas a buscar o chamado "bom partido" que, muitas  vezes, vão levá-las a um relacionamento doído e a grandes decepções. O amor não tem face, mas podemos, facilmente, identificar o tipo de vida que não desejamos levar, se tivermos uma condição importantíssima, a independência financeira.  Mulheres que se bastam têm mais facilidade para escolher um parceiro.

Não sou da época do "ficar" e nem tive liberdade para namorar de fato. Quando adolescente, por incrível que possa parecer às jovens de hoje, só se podia andar de mãos dadas com o namorado depois de uns seis meses de relação, sob pena de merecer comentários maldosos na pequena cidade do interior e ser vista como  inadequada para casamento. Não sou favorável a esse tipo de cultura. Graças a Deus esse tempo vai longe. Defendo a abertura, para que os filhos se relacionem bem com seus parceiros, que tenham uma intimidade saudável com eles, pois a experiência favorecerá um bom casamento. Não quero dizer com isso, que apoio a promiscuidade. Ela está bem longe da liberdade que menciono.

                                                           

Meu primeiro real namorado não era brasileiro. Estava passeando na cidade onde eu morava e, em um baile,  convidou todas as moças para dançar. Percebi que dava apenas uma volta e as levava às respectivas mesas. Esse não era um procedimento comum no interior. O homem tinha que esperar que a moça manifestasse desejo de terminar a dança. Ele, um austríaco loiro, de olhos azuis e bem desajeitado, não passaria despercebido no local. Sabia, pelo comportamento que estava adotando, que chegaria onde eu estava. Dito e feito. Só que, tendo tido oportunidade para analisá-lo, pedi licença antes que a música terminasse e ele ficou surpreendido, até insistiu para que continuássemos, mas fui firme. Daí para a frente, fui frequentemente assediada por ele, que obteve, junto à família onde estava hospedado, todas as informações a meu respeito. Assim, começou a fechar o cerco, aparecia na escola onde eu lecionava, ao final das aulas, e até chegou à minha casa, fato que assustou a todos, por ser considerado impulsivo e inadequado.

Não vivi aquele tipo de "amor à primeira vista". Eu o considerava estranho pois nada sabia da vida e tudo era por demais diferente do que eu tinha como "normal". Ficava bravo se eu não esperasse que abrisse a porta do carro, que arredasse a cadeira em um restaurante. Trazia flores ( eu nunca as tinha recebido antes) e não se preocupava com o fato de que, onde quer que fôssemos, minhas irmãs me acompanhassem. Minha mãe estava encantada. Meu pai, preocupado. Não houve empatia entre eles.

Diferenças de cultura há que serem levadas em conta. Mas eu sequer as conhecia na falta de vivência dos meus 18 anos . Meu mundo era muito pequeno. E meus pais, muito antiquados. Ele me mostrava uma realidade totalmente desconhecida e por mim ansiada. Prometia que eu ia fazer uma faculdade, com todo seu apoio. Gostava de me ver bem vestida e chegava ao ponto de me pedir para trocar determinada roupa, mudar o estilo do cabelo... o que eu considerava  normal. Não conhecia o outro lado de uma relação. Era meu primeiro namorado.

Depois de altos e baixos , de muitas separações e retornos, acabamos nos casando. Para todos, eu havia encontrado meu príncipe encantado.

Que decepção! Em nossa primeira semana de convivência o arrependimento já bateu forte. Estava diante de um outro homem. Autoritário, dono da verdade. Já foi logo manifestando seu desejo no sentido de que deixasse meu emprego. Era funcionária pública o que, para ele, significava inferioridade. A faculdade?? Nada. Não havia tempo porque não aceitava que contratasse alguém para me ajudar nos serviços domésticos. Queria ser servido na cama. Até trocar o canal da televisão era atividade minha : "nenê, troque o canal", dizia. Tomei antipatia da palavra "querida", pois sua conotação, quando a ouvia, não me passava idéia de carinho. Conversava em alemão com amigos e familiares, na minha presença. Seu irmão, extremamente delicado, respondia em português avisando que moravam no Brasil e esse era nosso idioma.

Fácil imaginar o que aconteceu. Antes dos dois anos de união, não consegui mais olhar para meu príncipe desencantado. Mantive o emprego e me livrei do marido. Não que tenha sido fácil. Naquela época, mulheres separadas só serviam para programas e isso me afastou dos homens. Sempre pensava que me queriam usar. Mas as coisas mudaram, pois prestei vestibular, fui fazer a faculdade, prestei concurso para advogada e passei a dar grande importância a minha profissional.  Só que, durante muito tempo, não queria nem ouvir falar em alemães. Passei a vê-los como uma raça perigosa, grosseira e incapaz de amar. Também isso mudou com a vivência. Conheci outros que nada tinham em comum com meu príncipe desencantado.



Tirei aquela pedra do meu caminho e quando me lembrava dos quase dois anos de convivência, era como se os fatos fossem objeto de uma peça teatral,  que terminara com o cair das cortinas. 

Aprendi com meus tombos, mas não precisa ser assim. Fiquei livre para viver minha vida porque amadureci e nunca abri mão de minha independência financeira. Se tivesse deixado o trabalho, provavelmente, ainda hoje, estaria a viver com ele, como fazem muitas mulheres. Quando o príncipe desencanta, nossa carruagem não precisa virar abóbora. Tudo depende de nós.

E é por isso que as nossas jovens devem investir em si mesmas, esquecer os contos de fadas, amando-se acima de tudo, pois só assim estarão habilitadas para escolher um parceiro, em condições de igualdade e respeito às diferenças. Nunca se deve abrir mão do amor, mas tem ele que ser consciente,  verdadeiro. Difícil de achar? Não, basta apenas que as pessoas sejam autênticas e que convivam bem consigo mesmas, lembrando, sobremaneira, que nós, mulheres, não estamos em uma relação para mudar o comportamento de um homem. Não somos as salvadoras da humanidade. Se o namorado tem um estilo de vida que não nos agrada, não vai mudar e se o fizer, certamente, será temporário. Vamos olhar para outros lados e seguir outros caminhos, porque o encanto do príncipe é fugaz.

                                             

2 comentários:

  1. ÓTIMO ALERTA PARA AQUELAS QUE AINDA ACREDITAM NO PRÍNCIPE ENCANTADO E NO "VIVER FELIZ PARA SEMPRE".

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  2. Maravilha! Eu achava, não faz muito tempo, que havia encontrado o meu príncipe encantado, felizmente tudo acabou. Hoje digo felizmente, mas quando aconteceu, chorei horrores, confesso. De qualquer modo, o fim do nosso relacionamento me ajudou muito. Melhorei fisicamente, espiritualmente e intelectualmente. Além disso, comecei a voltar aos amigos, que por ele, havia deixado. Ainda bem que me receberam de volta, e aceitaram o meu pedido de desculpa. Primeiro namoro é assim mesmo, disseram-me. É, o primeiro e o último que será assim. Agora, tenho me focado na minha faculdade, e estou amando fazer direito! Nas minhas horas livres, escrevo, faço o que me dá prazer, digo 'eu te amo' aos amigos, à família e... A mim! Posso dizer, com certeza: Estou melhor assim. Me cuido mais, me amo mais, sofro menos, choro menos, decepciono-me muito menos também. Mas longe de mim dizer que de nada serviu tudo o que passei, serviu sim, de aprendizado.
    Concordo com você, a independência financeira faz toda diferença. Há mulheres que se submetem aos seus maridos pelo simples fato de pensarem que 'se está ruim com ele, pior sem ele'. Quando na verdade, a frase deveria ser invertida. Que Deus me livre disso. Minha mãe sempre me disse: "Estude, minha filha. Estude para não passar por humilhações, para não ter que se submeter a certas coisas por ser dependente de um homem.", ela tem razão. Vejo o que acontece àquelas que se conformam, que vão, como dizem, 'empurrando com a barriga', são infelizes, e na verdade, não têm muito mais do que teriam sozinhas. É trágico. Deplorável. Não consigo me ver com alguém pelo seu dinheiro, ou para 'manter as aparências'. Você está certa quando diz que as meninas deveriam se ater a ideia de que não há um príncipe encantado, nem num cavalo branco, nem num carro do ano, pode até haver um que possua tais bens, mas príncipe encantado não! Crescer idealizando isso, é pedir pra ter decepções posteriormente. É uma pena que muitas mulheres ainda ouçam conselhos de outras submissas e dependentes que só dizem: "Feche os olhos pra isso, esqueça aquilo. É normal. São coisas da sua cabeça. Não acabe com o seu casamento por bobagens.". Bobagem é se anular, aceitar traições para manter uma união que na verdade, nunca existiu! Mas, enfim... Amei mais esta postagem. Você é ótima! Ah, e fala sério, os alemães são uns gatos não é?! rsrs Mas você fez muito bem em não abrir mão de si, da sua independência financeira por ele, fazer isso seria aceitar ser manipulada, escravizada por um homem, que na verdade, nem tinha esse encanto todo!

    Beijos minha linda!
    Débora.

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