Fiquei parada no estacionamento vazio do salão de beleza. Embora ele estivesse fechado, já que em BH só estão funcionando os serviços essenciais, eu era esperada. A funcionária que cuida dos meus cabelos me havia dito que estava atendendo, com hora marcada. Olhei a grande árvore do terreno vizinho, cujas folhas se moviam, levemente. Uma linda tarde, de céu claro e luminoso. Precisava entrar, mas não me movia. Desde o final do ano não ia lá. A dona do salão, amiga de muitos anos, perdera sua filha no dia 30/12. E tenho grande dificuldade para enfrentar situações da natureza, pois abraço a dor de terceiros com grande facilidade. Era ela a administradora de tudo e a família se encontrava no sítio, aguardando-a, quando lhe chegou a a trágica notícia de sua morte. Um aneurisma rompido durante uma noite em que se encontrava só. Esse só me doía, embora o médico houvesse dito aos familiares que a presença de ninguém teria feito diferença. E eu estava ali, com o coração nas mãos, pensando em como poderia consolar aquela mãe.
De repente, ela saiu do interior do salão, pela porta dos fundos, e me viu. Nessa época em que abraços não são permitidos, eu me aproximei e tentei, com palavras, demonstrar o quando sentia sua perda. Que surpresa! Ela não chorou, não lamentou, e ainda agradeceu a Deus. Disse-me que teve uma filha preciosa, daquelas que passam a vida ajudando a mãe e procurando poupá-la de desgastes, que viveu com dignidade e cumpriu, exemplarmente, sua missão na terra. Disse-me, ainda, que era privilegiada por esse presente de Deus, a filha que Ele lhe deu e que permitiu convivesse com ela por mais de cinquenta anos.
A maioria de nós não age assim, mesmo alimentando grande fé em Deus. Ficamos inconformados, procuramos respostas que nunca vamos encontrar, nos entregamos à dor. Só pensamos na perda, nunca no que usufruímos com o que nos foi tirado. E isso, não só em caso de perda de alguém, mas de um emprego, de um carro que foi batido, de algo que nos foi furtado (só para exemplificar). A dor da perda é natural e há que ser exaurida, a fim de que possamos prosseguir em paz, levando conosco as boas lembranças e a saudade. O período de luto varia de pessoa para pessoa e há que ser respeitado. Eu sou a primeira da fila quando se trata de não saber lidar com perdas, mas as humanas. O que é material pode me deixar chateada, mas não me corrói por dentro.
Fiquei feliz por ter conversado com ela sobre o assunto, o que estava evitando por temer uma leitura de sofrimento em seu olhar. Se tivesse chorado, certamente eu lhe faria companhia. Mas ela me deu uma lição de vida, de fé, de confiança em Deus, com seu belo agradecimento. E com a certeza que alimenta no sentido de saber que a filha está bem, no campo espiritual. Agradecemos muito pouco o que a vida nos oferece, como cada alvorecer, a convivência familiar, um sorriso de quem amamos, o trabalho, o lar que habitamos, mais um dia com saúde ... e muito mais.
Marilene
Marilene, cheguei a arrepiar e te imaginei na situação. Também não encontro palavras, choro junto se preciso for... Mas essa mãe deu a pista para teu comportamento. Só faltou ela te consolar. Como é grande a dor dessa mãe, mas ainda assim, ela é grata pelo que com a filha viveu... Linda crônica e exem´plo dessa mãe. Confeso, não sou assim...Sou fraca !beijos, tudo de bom,chica
ResponderExcluirChica, os olhos dela mostram dor, mas usa a gratidão para afastá-la, quando a quer abraçar. Eu, que ainda não superei a morte da moça, fiquei sem palavras. Também sou muito fraca para isso. Grande beijo!
ExcluirUm belo relato, Marilene! Há pessoas que conseguem ser fortes nos momentos de dor em que a maioria fraqueja... Não é fácil. Só com muita Fé e Esperança... e o Amor de Deus.
ResponderExcluirBeijinhos.
Fá, creio que são raras as pessoas que agem assim. Obviamente, são assoladas pela dor, mas encontram conforto na fé. Bjs.
ExcluirGrata por compartilhar este testemunho, Marilene... Eu penso sempre que enlouqueceria...
ResponderExcluirRealmente, um exemplo de força e resignação.
Dias bons e serenos. Bejos
~~~~~~~
Deixei uma resposta ao seu comentário no Refúgio. : ))
Nem fale, Majo! Eu não sei lidar com perdas da natureza. Quando perdi minha primeira grande amiga, fugi. Não fui mais à casa dela. Nunca a esqueci, mas prefiro lembrá-la como sempre foi, cheia de vida e de energia. Bjs.
ExcluirNossa Senhora!! Primeiro eu não saberia o que fazer dado ao fato de não podermos abraçar, pois nesse gesto quase não precisamos dizer nada, preenche todas as palavras não ditas. O silêncio nessas ocasiões é preferível, mas consolar como? Um abraço sentido, não necessita de muito mais. Mas é uma situação tão difícil que muitas vezes damos parabéns - tal o embaraço.
ResponderExcluirMas que mulherzinha forte, decidida, com uma cabeça boa para aguentar o tirão da perda da filha!! Eu não conseguiria. Mas ela viu por outro ângulo, e achei muito interessante, uma vez que tudo tem um começo, meio e fim. E é esse 'fim' que ainda não somos resolvidos, ela foi!! Ela é.
Mas ótimo foi teu relato, contando a situação, e me senti como se estivesse ali, na situação. E cheia de embaraços, nessa situação de falar de longe...
Beijinho, Marilene!
Confesso que foi uma situação difícil. Minha irmã me ligou, à noite, para saber como nossa amiga estava, pois a conhece há mais tempo que eu e se encontrava, também, muito abalada. Lógico que essa mãe sofre. Seu olhar o mostra. É a sua fé e sua visão da morte que a diferenciam de nós. Eu até me lembrei de quando faleceu o marido da Nicete Bruno, Paulo Goulart. Pensei que ela não ia suportar a dor e quando vi suas declarações a um jornalista, me surpreendi. Ela é espírita e sua crença em que estariam juntos na eternidade foi impressionante. Ela também foi serena, apesar do inquestionável sofrimento.
ExcluirMeu espírito não é evoluído a esse ponto. Grande beijo, querida!
Uma situação muito emocionante e difícil de se confrontar
ResponderExcluirGostei
Muito triste e difícil de enfrentar, realmente. Abraço.
ExcluirMari,
ResponderExcluirmal posso imaginar tamanha dor. Teu comovente e sincero relato me levou a ver a cena e a me emocionar com esta mãe. De fato, tendemos a nos prender às perdas; aqui está uma preciosa lição de vida, de amor, de fé e, de esperança também.
Grande aprendizado. Grata!
Bjo, querida.
Carmen
Calu, até me arrependi depois de publicar a postagem, porque nem eu havia superado a trágica morte dela, fato que não me saiu do pensamento na passagem do ano. Sei que minha amiga deve estar sofrendo demais, mas encontrou uma forma de afastar os pensamentos de dor, substituindo-os pelos de gratidão. Bendita fé! Bjs.
ExcluirDizia um escritor muito conhecido que nenhuma mãe devia assistir â dor de perder um filho, porque é uma dor gigante e que não há palavras.
ResponderExcluirSabe, admiro muito a força e a atitude da sua amiga perante tal desgraça, há uns anos atráz aconteceu-me uma cena parecida, só que eu chorava sem parar e a mãe do falecido é que me consolava com as palavras muito parecidas com as que a Marilene escreveu.
Vamos aprendendo sempre todos os dias com os outros lições de vida.
Beijo minha querida amiga por um texto real e tao emocionante.
:(
Há lições que não esquecemos, Piedade, embora seja difícil assimilá-las. Grande abraço, querida!
ExcluirEu penso como a sua amiga!
ResponderExcluirA dor não nos traz as pessoas que amamos de volta!
Eu recordo os que já partiram com muita serenidade e com amor no meu coração!
E vivo em paz comigo mesma!
Um doce beijinho, Marilene!
Megy Maia🌸🐰🌸
Megy, eu a felicito pela forma como encara a dor da perda. Uma de minhas avós perdeu um filho jovem, com tétano, e jamais se conformou. Quando faleceu, bem velhinha, ainda mantinha o sentimento como se a perda tivesse ocorrido no dia anterior. Grande abraço!
ExcluirOlá, Marilene,
ResponderExcluiresta sua crônica mostra muito bem o que a filha representava para sua mãe. Vê-se, claramente, que a preciosidade que foi a criatura para sua mãe permanece ainda viva no seu espírito, agradecida a Deus por ter tido uma filha companheira, amiga, e sócia de alguma forma no trabalho que realizavam. Pela minha experiência em Direito de Família sei que relacionamento familiar como este se não for raro chega bem perto, pois quando a mãe está indo para o norte, a filha ruma para o sul, a união de mãe e filha está nesse caso fadado a indiferença, sem o conforto que traz um abraço, um beijo, uma palavra de conforto. Mas, que bom que existe ainda casos como este.
Parabéns, Marilene, pela bela crônica.
Um bom fim de semana, que está chegando.
Grande abraço.
Pedro, posso imaginar o que presencia na área que escolheu. Muitos e muitos conflitos, desamor, interesses dúbios (e também legítimos), pois quando se busca o auxílio de um advogado o conflito já é evidente. Como sou muito ligada à família, creio que muitas mantêm esse clima de união e amor. É certo que as divergências surgem, principalmente quando há herança em jogo, mas prefiro pensar em conciliação.
ExcluirQuanto a minha amiga, o que ficou evidente é que a dor estava ali, mas a fé se mostrou maior que ela.
Muito obrigada por seu comentário. Um ótimo final de semana também para você e sua família. Abraço.
Querida Marilene, sinceramente não consigo imaginar-me na situação dessa mãe, acho que não teria tamanha grandeza de alma, e também não sou boa a confortar e enfrentar alguém que passa por tamanha perda.
ResponderExcluirSou uma pessoa de fé, todos os dias peço humildemente a Deus que me dê a capacidade de aceitação e de gratidão pelas bênçãos que tenho, tem sido um caminho demorado mas acho que só assim consigo, paz interior.
Obrigada por esta reflexão.
Um beijinho
Fê
Sou como você, Fê. Não sei lidar com essas situações e só de imaginar perdas meu coração se comprime, assustadoramente. Rezo, peço luz e serenidade, principalmente nos tempos atuais, onde presenciamos a dor de tantos. Sou grata pelas bênçãos recebidas e a cada dia agradeço a Deus por ver todos de minha família com saúde, rogando-Lhe que assim permaneçam. Grande abraço!!
ExcluirBelo texto, Marilene! Também tenho dificuldades com essas situações, por conta da empatia. Mas acredito que a sua amiga estava certa, sim: o tempo nos traz e nos leva, mas nada pode levar que antes não tenha trazido; sábio é agradecer a dádiva, em vez de lamentar a perda. Meu abraço, amiga; boa semana.
ResponderExcluirMuito obrigada por seu sábio comentário, meu amigo. Linda semana também para você. Abraço.
ExcluirSim, todos os dias temos muito por que agradecer.
ResponderExcluirSão milagres do quotidiano que aceitamos com naturalidade
e que nem pensamos questionar. E coisas maravilhosas
acontecem a cada instante.
A Senhora de que fala, Marilene, é de uma coragem difícil
de encontrar. Lúcida na sua dor, tem a grandeza de saber
agradecer a Deus o muito que lhe deu, a Filha, de tal modo
que a sua perda é passível de ser mitigada pela excelência
dessa dádiva.
Adorei o seu texto. Traz uma lição de vida. Só com muito
treino e meditação poderemos chegar a esse estádio de Alma.
Muito obrigada pelo seu comentário no Xaile de Seda.
Beijos
Olinda
Olinda, creio que só espíritos bem evoluídos trazem consigo essa lucidez, essa capacidade de analisar a perda com agradecimento pelo que antes já usufruiu. Eu a admirei muito porque minhas fragilidades não me permitem agir assim. Grande abraço, querida!
ExcluirUm texto muitíssimo bonito. Realmente, uma situação difícil e comovente você passou, imagino. Há pessoas assim, de fibra e garra como ela/mãe, sofrem com sabedoria e prosseguem o seu caminho, sempre expressando gratidões e vivas esperanças...
ResponderExcluirCom carinho...
Tão difícil, Anete! Sabemos que a dor está lá, mas ela abraça uma gratidão louvável, tentando superá-la. Obrigada, querida! Grande abraço!
ExcluirQue encontro ! Esta postura não é comum, mas deveríamos agradecer cada pedacinho de nós que está nos possibilitando viver com qualidade de vida e tudo mais. Sofrer também tem elegância do espírito que esta mãe nos mostra. bjs
ResponderExcluirEla é uma das exceções. Nunca havia encontrado alguém com tamanha fé. Um espírito iluminado, possui. Conhecemos a necessidade do agradecimento, mas diante de uma perda como essa, eu não conseguiria manter a sanidade. Só Deus mesmo, para confortar. Bjs.
Excluir