28 março 2011

PÂNICO



Todos temos medo de alguma coisa, de determinada situação. Esse medo é considerado, em princípio, normal, pois o inesperado pode, de fato, causar temor. Certas preocupações corriqueiras, dependendo da abrangência que tomarem, vão nos levar a um medo exagerado e até injustificável.  Se estamos a caminhar em local desconhecido, principalmente à noite, vamos lidar com esse sentimento. Qualquer barulho nos fará tremer e palpipar rapidamente nossos corações. Mero exemplo, já que muitas outras situações nos provocarão a mesma reação.

Anos atrás, um colega de trabalho com quem nem tinha contato, vivenciou uma situação dessas, com drásticas consequências. Detinha porte de arma porque, à época, residia em local tido como perigoso e, ao voltar da faculdade, havia que fazer um percurso à pé, em rua com pouca iluminação. Uma noite, percebeu que estava sendo seguido e foi tomado pelo medo. Apressou os passos e a pessoa que estava atrás dele fez o mesmo, conseguindo alcançá-lo e segurá-lo. Seu pavor foi tamanho que sacou a arma e atirou. Ele mesmo pediu socorro e a polícia foi ao local. Posteriormente, constatou-se que o presumido agressor não lhe faria qualquer mal. Tratava-se de um incapaz que saíra de casa sem que a família percebesse. Nem sabia o que estava fazendo e acabou morrendo com aquele tiro. Fiquei penalizada com o colega de trabalho. O processo levou tempo, como é usual, e ele foi absolvido. Mas a vida inteira carregará certo sentimento de culpa pelo ocorrido. Sua conduta foi provocada pelo pânico .

                                                                               
Se procurarmos no dicionário, Aurélio Buarque de Holanda Ferreira estará definindo o pânico como : "... que assusta sem motivo; que suscita medo por vezes infundado e foge a um controle racional: terror pânico; medo que os antigos diziam ser causado pelo deus Pã... "

Essa era a conotação que, antigamente, eu atribuía àquele palavra. É comum seu uso. Quantas vezes não ouvimos alguém dizer: entrei em pânico. Mas existe um outro significado, que conheci posteriormente. Existe a doença do pânico. Se não identificada, seu portador pode ser visto como medroso, fraco... e até cheio de frescuras.

O Transtorno do Pânico ( TP ) é uma entidade clínica recente e era antigamente chamada de neurastenia cardiocirculatória ou doença do coração do soldado ("coração irritável" denominação dada por Da Costa em 1860 durante a guerra civil americana), embora a primeira descrição sintomatológica tenha sido feita por Freud, que a classificou como neurose ansiosa. Até 1980, o quadro foi agrupado sob o título de "neurose de ansiedade" e atualmente este mesmo grupo foi subdividido em Doença do Pânico e Transtorno de Ansiedade Aguda ou Generalizada. ( Dr.Jorge Wilson Magalhães de Souza).

A vida em São Paulo e em todas as grandes cidades exige imensa dose de equilíbrio, equilíbrio esse difícil de ser mantido com o trabalho, a competição, os horários apertados, o trânsito, intermináveis reuniões, execução de tarefas que requerem estudo e competência, assim como exíguos prazos.  Todos esses fatores vão se acumulando e levando as pessoas a uma situação de terrível estresse ou stresse. Daí até a sintomatologia do pânico temos um percurso pequeno, razão pela qual se diz que estamos diante de uma doença da modernidade.

Em razão dos sintomas -  boca seca, aceleração dos batimentos cardíacos, palpitações, palidez, sudorese e falta de ar - a busca por ajuda profissional costuma resultar infrutífera, eis que os doentes são submetidos a vários exames e recebem informação no sentido de que não têm nada. Isto porque a solução não está em pronto-socorro, com cardiologistas, neurologistas e outros especialistas inadequados. A cura só poderá ser obtida com psiquiatras e psicoterapeutas.

Meu objetivo não é discorrer sobre o Transtorno do Pânico. Não sou especialista, mas já sofri desse mal. Hoje, olhando para trás, encontro os fatores que me levaram a ele.
                                                                               
                                                                               
Tinha a vida de uma executiva que vivia correndo, sem tempo para realizar todas as atividades que assumia. E com o agravante de residir em São Paulo e carregar todos os outros medos que a cidade impõe. Certa vez, ao meio-dia de um sábado, com um carro novinho, parei em um semáforo da Avenida Nove de Julho. De repente, três jovens correram em minha direção e bateram na janela do veículo. No momento, pensei que se tratava de estudantes cumprindo trote e falei : que susto!!! Só então vi a arma. Um deles pediu que abrisse o vidro e a colocou em minha cabeça, dizendo: "passa tudo us ouro ou vai levar um tiro". Calmamente, soltei minhas pulseiras e as entreguei. "o relógio", ouvi. E o entreguei. Com força, um deles tirou meus óculos escuros , dizendo: "vai ficar bunito na minha mulhé". E depois : " a bolsa". Aí fiquei aflita. Não podia entregar todos os meus documentos, talões de cheques, informações sobre onde residia... Simplesmente, falei: "a bolsa não tem dinheiro".  Uma loucura que eu não faria hoje, pois atiram com facilidade. Minha sorte foi que o semáforo ficou verde, a avenida é muito movimentada e, assim como chegaram, desapareceram.  Fui embora dando graças a Deus por não terem levado o carro ou eu. No momento do assalto, fiquei calma. Alguns dias depois, porém, passei a ter um medo incontido. Qualquer sombra ou movimento ao meu lado me provocava taquicardia. Procurei o médico da empresa, meu amigo, e ele me disse que eu não tinha nada, estava apenas cansada e precisava de férias. Nem medicou.


Passado algum tempo, tirei férias e fui para Cancum com uma amiga. Minha primeira e única viagem internacional. Fomos bem, nos hospedamos em um lindo hotel e adoramos o passeio. Na volta, porém, o avião pegou uma nuvem de granizo e foi um desastre total. Acordamos por volta de duas horas da manhã, sobre o mar, com as bagagens caindo sobre nossas cabeças, gritos, o carrinho de bebidas passando pelo corredor, garrafas sendo jogadas nas pessoas. Uma experiência que nunca podia imaginar viver. Um homem abriu os braços e chamou os passageiros à oração. Tínhamos a sensação de que íamos cair no mar. O piloto , para evitar que uma das asas quebrasse, desceu repentinamente. Nem sei dizer ao certo o que aconteceu, pois tudo transcorre tão rápido que só nos deixa um sentimento de fragilidade e impotência.

Com mais esse susto, entrei , realmente, no Transtorno do Pânico. Tinha a frequente sensação de que estava morrendo. No trabalho, não davam importância e nem os médicos que procurei me levaram a sério. "Você tem uma vida muito agitada, com muitas responsabilidades", me diziam. Mas a situação chegou a tal ponto que eu lia a noite inteira, para tentar evitar os sintomas, inutilmente. Morando sozinha, a situação era pior. Cheguei a telefonar para amigas, no meio da noite, dizendo que não estava passando bem. E elas, gentilmente, me buscavam e me levavam a um pronto-socorro, onde nada diagnosticavam. Aquilo não podia continuar, eu não conseguiria viver assim.  Uma de minhas irmãs foi a São Paulo e, apesar de minhas recomendações, uma amiga disse a ela o que estava acontecendo. E acabei pedindo uns dias no trabalho, para vir a Belo Horizonte, onde permaneceria perto da família.

A primeira providência que tomei foi marcar uma consulta com um psiquiatra muito bem recomendado. Aí sim, ouvi tudo que precisava. Eu não estava com frescuras, não tinha problemas cardíacos, mas apresentava sintomas de uma doença denominada pânico . Só de saber qual era meu diagnóstico, ou melhor, saber que tinha uma doença tratável, já me senti melhor. Passei a tomar remédios controlados e a visitar semanalmente o médico. Prorroguei minha licença e fiquei mais um tempo em Belo Horizonte. Que alívio! Quando voltei para São Paulo já me sentia confiante e livre daquele pesadelo. O tratamento durou um tempo, não é de um dia para outro que se fica livre do pânico. Depois vim a saber que várias pessoas enfrentavam o mesmo problema e que algumas tinham vergonha de falar sobre o assunto. Tolice!  Se comentamos, acabamos ajudando alguém que padece desse mal e nem sabe que se trata de uma doença.

Do pânico me curei, mas do medo de viajar de avião, não. Só faço viagens curtas, de cerca de 1 ou 2 horas. E mesmo assim, ingerindo  dose de um ansiolítico, a conselho médico. Tenho uma irmã que sempre brinca com esse fato. Diz que eu poderia conhecer outros países, viajar bastante, e não o faço por medo. Ela, que não tem qualquer receio, tem outras prioridades, filhos, netos, orçamento  apertado, e não pode pensar em viajar.                                                   

Falei sobre o pânico, hoje, porque este é um diário feminino e estava, nesta segunda-feira, a me lembrar do período em que aquela doença me afetou. Importante é saber que ela tem cura, como muitos outros males físicos que assustam seus portadores. Basta encontrar o tratamento adequado, com um profissional devidamente qualificado.

E não ter medo de viver!

Um comentário:

  1. MUITO OPORTUNO O COMENTÁRIO DE SUA EXPERIÊNCIA
    COM O PÂNICO. POR CERTO, IRÁ AUXILIAR ÀQUELES
    QUE PORVENTURA SENTEM SINTOMAS A RESPEITO, POIS
    TERÃO NOÇÃO DO TIPO DE AJUDA A PROCURAR.

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