01 novembro 2022

PAUSA

                                                              



Minha irmã Vera, que muitos conhecem, já que mantém um blog há vários anos (hoje sem liberação para comentários), vai se submeter a uma cirurgia e todo meu tempo precisa ser dedicado a ela. Estou sem condições para visitar os amigos ou fazer qualquer publicação. Assim, até que ela vença esse desafio, e contando com as bênçãos divinas para que tudo corra bem, estarei ausente.

Aos que por aqui passarem, um carinhoso abraço.

                                                                                           Marilene


19 outubro 2022

A PÉTALA

(Brita-Seifert)
                                                            

                                                      

O que representa uma pétala? Por si só, nada. Partícula que se desprendeu de uma flor, em momento de despedida. Quando a tocamos, percebemos maciez e também beleza. Não se incomoda de ter sido levada pelo vento porque , ao nascer, já sabia da efemeridade de sua existência. Enquanto fazia parte do botão, a expectativa do desabrochar. Depois desse encantamento, o beijo das coloridas borboletas, que da flor  sugavam o néctar adocicado em uma dança cheia de magia. Tudo perfeito, até aquela pétala que caiu aos meus pés, enquanto tomava uma taça de vinho na varanda da casa de uma amiga, e me levou a refletir sobre beleza, tempo, importância da vida.

Já fui botão, já desabrochei, já exalei perfume e já mostrei entusiasmada vida a quem me observou, comigo conviveu, me amou ou nutriu por mim sentimentos negativos. Ao contrário do que ocorre na natureza, não gosto de pensar em efemeridade e sei que não consegui despertar em todos um olhar de luz, de contentamente, de afeição. Algumas vezes sequer me preocupei com isso, mas em outras me senti magoada com demonstrações de falta de empatia, de incompreensão, de críticas e, o pior, da sensação de invisibilidade.

Já perdi pétalas pelos caminhos. Podem ter sido guardadas com ternura ou talvez jogadas ao lixo. Foram elas minhas experiências de vida, meus passos, meus atos, minhas palavras... partes de mim cuja ausência não prejudica o todo hoje ainda existente, exceto pelas cicatrizes. Sei que muitas outras vou perder pois isso faz parte da jornada. Ao contrário das flores que, após se abrirem lindamente, fenecem rápido dando lugar a outras, permanecemos no jardim por longo tempo, mas passamos a cultivar  o medo do vento e das tempestades, em vista da fragilidade que os anos nos impõem. O desapego é fácil quando se trata de bens materiais, mas duríssimo quando olhamos as pessoas que amamos, independente do tempo em que estejam nesse jardim. Desejamos um convívio eterno, ainda que todos percam suas pétalas e precisem de cuidados especiais.

Passamos por  muitas mudanças, colecionamos conquistas e também perdas, saboreamos alegrias e derramamos lágrimas frente às frustrações. Vivenciamos os dias de forma diferente e percebemos que nosso olhar se torna cada vez mais sensível a tudo que nos cerca. Abraçamos o que é de fato importante e lidamos melhor com os imprevistos. Chegamos a um ponto em que , mesmo que as fotos estejam descoloridas, nós as valorizamos por demais. 

Como parte desse jardim onde todos estamos inseridos, continuamos a sonhar e não perdemos o encantamento que nos oferece a vida. Aquela pétala desgarrada, vou colocar dentro de um livro, relembrando antigos hábitos, para que me lembre, sempre, que são as pequenas alegrias, notadamente as advindas do amor a tudo e a todos, que nos permitirão , mesmo perdendo o ritmo, continuar essa dança maravilhosa do existir.

Tudo culpa do vinho!!!


                                                                 Marilene


13 outubro 2022

NOTÍVAGA

                                                                      (Steve Hanks)

                                                              

Pela manhã abri um pouquinho os olhos e procurei a disposição, sem encontrá-la. A bendita devia estar escondida em minhas pálpebras, que ainda pesavam. Tentei organizar os pensamentos. Quem sabe se eu dormisse um pouco mais e arregalarasse os olhos, ao acordar, conseguisse libertá-la completamente. Mas se fizesse isso, seria tarde para usá-la e resolvi sair da cama. 

Sentia que dedos invisíveis me cutucavam e os evitava. Foram, no entanto, tão insistentes que permiti o monólogo. Nada ia responder, só ouvir. Era minha consciência que, aos gritos, me perguntava porque tinha ficado acordada até a madrugada. Em silêncio, disse a mim mesma que de nada adiantava ela me atormentar, pois sou notívaga. À noite, fico desperta. Se começo a ver uma série ( só as já concluídas) quero ir até o fim, razão pela qual não me identifico com as  novelas. Não gosto de gotas quando tenho sede. Preciso me saciar com água em abundância. Ela deve ter lido meus pensamentos porque continuou me cutucando e dizendo: bem feito!! bem feito!! Aí está o motivo da fuga da disposição. Se não controlar sua vontade vai continuar assim, todas as manhãs. Ainda em silêncio , abracei meu sentir. Ele sempre me domina. A noite é poética e inspiradora. Olho pela janela, vejo que as luzes dos apartamentos à distância vão se apagando aos poucos e me ponho a imaginar porque , também neles, alguém permanece acordado. Uma criança pequena que chora, insônia, momentos de amor, necessidade urgente de concluir um trabalho?? Vai saber!  Passeio por esse mundo invisível desenhando minhas conjecturas. Tudo isso mantém meus olhos abertos, meu sangue fluindo, minha mente cheia de estímulos.

A consciência, nessa altura, parou de me atormentar. Caso perdido, deve ter sido sua conclusão. A disposição para grandes atividades domésticas não apareceu. E resolvi largar tudo pra lá. Tolice esquentar a cabeça com tarefas que não eram urgentes. Tomei um banho, me arrumei e fui dar uma volta. Entrei em lojas de amigas, bati um papo, dei risada e quando regressei foi como se tivesse saído de uma proveitosa visita a um terapeuta, sem gastar nada por isso.

Pois bem, já é madrugada novamente e nua está a noite. Não posso contar estrelas porque nenhuma está brilhando no escuro do céu. Não há passos nas calçadas ou música em algum apartamento. Os sons que ora me chegam são de um cachorro que late ao longe e da freada brusca de um carro. 

Sei que entro, mais uma vez, no campo das conjecturas, para realizar meu voo noturno, sozinha. Sentimento conhecido que me traz um explicável riso,  porque  antevejo, com clareza, como vou acordar amanhã.

                                                          Marilene