Mora a história em cada espaço alcançado pelo nosso olhar. Podemos conhecer
a do fora e apenas imaginar a que existiu dentro deles. Por vezes, há brilho e luz. Em outras, abandono e destruição. Mas todos
abrigam vidas. Sim, abrigam, no presente, pois todos os espaços têm, em si, as vozes, os anseios, as esperanças, as dores, as lágrimas... e
tudo o mais dos que por ali já passaram. Entranhadas ficam nas lembranças, e nas próprias janelas que um dia se abriram mostrando a
vida, de dentro e de fora.
Quando observo a arquitetura das cidades, notadamente das valorizadas por
sua antiguidade, hoje pontos turísticos, não consigo dissociar o presente do passado. Cada detalhe tem, por certo, significados
que não podem ser decifrados por olhares vagos, passageiros, indiferentes ao ontem. Fico a imaginar as pessoas que habitaram os imóveis,
tão diferentes de nós em hábitos, na maneira de vestir, nas tradições abraçadas. E tão iguais quando pensamos em suas
aspirações, eis que os seres humanos sempre acalentam sonhos, ilusões, desejos dos mais diversos. Alguns não poderiam imaginar
os candeeiros substituídos por lâmpadas, os poços artesianos trocados pela água encanada, os trens desaparecendo com a
chegada dos ônibus... as mudanças estruturais, de trabalho, de comunicação.
Creio que a insegurança e o medo sempre existiram, mas usavam roupagem bem
diferente, inobstante algumas situações do ontem venham até os nossos dias. Vozes de insurreição não eram ouvidas, a ausência de respeito pelas diferenças não se desfez, os discursos machistas eram considerados até adequados, as minorias
permanecem como tal embora hoje lutem mais para se tornar visíveis e com direitos.
Prédios antigos, cuja arquitetura admiro e que parecem destoar da paisagem
em muitos centros urbanos, sempre me encantam. São arte, são beleza, são riqueza. Voltando, no entanto, aos que neles
viveram, trabalharam, sonharam, sinto que todos são como os que habitamos, silenciosos em sentimentos e em vida. Apenas o
lado de fora é valorizado, comportamento comum no olhar de um ser humano para outro, sempre atento a inúteis
detalhes que o tempo levará, pois somos finitos e jamais nos perpetuaremos como aqueles imóveis, patrimônios históricos que
merecem preservação por significarem cultura.
Marilene