02 outubro 2020

DISSIMULAÇÃO

                                                                         (Brita Seifert)




Vestiu-se de bruxa,  mas queria apenas brincar, plantando sorrisos nos rostos que a fitassem. Seus gestos eram doces e mansos, mas foi execrada, humilhada, banida da convivência por muitos daqueles que lhe eram tão conhecidos. Não conseguia entender tamanha rejeição. Seriam seus trajes capazes de esconder sua essência, de forma tão assustadora?  Os olhares que lhe eram dirigidos mostravam frieza e desconfiança. Sua digna vida fora enterrada por eles, com maldade. O mundo não era dos sábios, pensou, com tristeza. E com suas antigas ilusões queimadas, desistiu de brincar... e partiu.

Vestiu-se de fada para ocultar seus escusos interesses, a devassidão de sua alma. Foi abraçada, bem recebida, aplaudida... E pode ferir muitos sem que lhe fosse atribuída qualquer responsabilidade. Sequer era indicada como suspeita na investigação das atrocidades que praticava a céu aberto. Afinal, era uma fada, uma borboleta de luz. E resolveu ficar, pois ali estava um lugar onde sempre encontraria espaço para semear discórdias de forma silenciosa e insuspeita.

Luz e sombra moram nos caminhos de forma enganadora. Há sempre ótimos atores nos palcos, recebendo nossas homenagens. Ah! Que bom seria se nos acautelássemos e buscássemos a verdade, sem nos preocuparmos com a indumentária e/ou o discurso de quem chega! Talvez, assim, pudéssemos fazer escolhas conscientes, entregando a coroa a quem realmente a merece, notadamente quando temos oportunidade para eleger nossos representantes, em qualquer esfera do poder público. 

De nada vale sapatear quando já temos um osso na garganta, sem que o possamos mastigar, engolir ou expelir.

                                                                              Marilene



30 comentários:

  1. Beleza,Marilene...Infelizmente tantos julgam apenas pela roupa usada e fantasiam pro bem ou mal...Pena! Adorei! Dissimulação ninguém merece!
    beijos, tudo de bom,chica

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    1. Chica, somos muito vulneráveis. Precisamos ter mais consciência ao nos posicionarmos diante de fatos e de pessoas. bjs.

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  2. De facto, as aparências iludem quem não está atento.
    O povo diz: 'O hábito não faz o monge', mas infelizmente engana muita gente...
    Gostei muito do seu texto cujo sentido se expõe por uma antítese...
    Muito interessante.

    Ótimo Outubro, Marilene.
    Beijos
    ~~~

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  3. Costuma fazer, Majo, contrariando o velho ditado. Nós nos esquecemos que os olhos não nos mostram o que de nós querem esconder, principalmente na política. Bjs.

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  4. Bela fábula da difícil odisseia que é a aceitação social
    Gostei deveras
    😊

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    1. Tantos enganos!!! E nós, que estamos perto das eleições, precisamos ficar atentos às verdades escondidas. Obrigada!

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  5. As boas aparências também podem enganar.
    Perfeita sua reflexão, Marilene.
    Um abraço e grata por sua delicada visita.

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    1. Ainda hoje, Teresa, são inúmeros os enganos, principalmente quando vamos votar. Bjs.

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  6. No título do texto se encontra a chave, no corpo, a porta, na conclusão o apuro necessário aos correntes dias. Atualmente, a imagem ganha aplausos ou deméritos à simples amostragem figurativa.
    Em cartazes de candidatos(as) pra esse pleito há inúmeras comprovações evidentes: bruxas metamorfoseadas em fadas.
    Há que se ter olhos de ver.
    Certeira reflexão, Mari.
    Um abração,
    Carmen

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    1. Calu, querida, sempre sábia em suas colocações. Muitos usam a internet para se inteirar da vida dos chamados "famosos". E não mostram a mesma dedicação quando a providência se impõe, pelo bem de todos. Bjs.

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  7. O Título do texto diz tudo.
    Há sorrisos engandores.
    E caras fechadas também.
    Ê preciso não se enganar e saber separar o bom do mau, mas nem sempre é fácil.
    Há pessoas que enganam tão bem.
    Texto para reflectir.
    Bom domingo!
    Beijinhos
    :)

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  8. Olá, Marilene, cheguei / chegando e dou com um ótimo texto. Tenho de me conter na escrita, é um texto que a gente vai indo e se perde no espaço. Tenho um senso de observação um pouco diferente. O Pedro está cansado de me perguntar o que achei da roupa da fulana, do beltrano...se vi isso ou aquilo. Mas que roupa? Não me fixei nem na cor da blusa.
    Amiga, eu nunca sei falar da roupa de alguém! Roupa não me chama a atenção para observar o que observo muito. Eu presto atenção no rosto, nas feições quando a pessoa fala. Em mais nada! É do pescoço pra cima. O cabelo entra na observação, é claro. Roupas enganam, sapatos, bolsas... o rosto não me engana, é como se fosse um raio X. Dizem que a aparência é o primeiro cartão a ver. Pra mim não. Porém, eu sei que é assim e que as pessoas geralmente olham muito para esse "cartão" enganoso. Presto muito atenção na boca, no modo de alguém falar. Já fui numa loja de rasteirinha; foi um atendimento. No dia seguinte me vesti diferente, só para testar!! O atendimento foi outro, a mesma atendente não me reconheceu!!! rsss Mas eu não esqueci de dizer que no dia anterior ela me atendeu! Então, as pessoas podem enganar de muitas maneiras, mas quando abrem a boca, amiga, a coisa fica bem transparente. Casualmente ontem assisti pela TV Band, o debate à Prefeitura. Alguém deles conseguiu te enganar? Creio que não, você é esperta demais! Eu vi mais uma comédia.
    Difícil de parar de comentar aqui...rsss
    Beijinho, uma boa semana!

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    1. Tais, por tudo que escreve, percebe-se, claramente, que muito observa. Realmente, é do rosto para cima que nos chegam os detalhes mais importantes. O que é dito não combina com o comportamento, com o olhar. Em lojas, somos atendidos de acordo com o que veem em nós. Fazem uma falha avaliação e perdem potenciais clientes. Quando a Vera veio a BH para comprar seu vestido de formatura, usava jeans e tênis. Parou em uma sofisticada loja e pediu que lhe mostrassem um traje que estava no manequim. A vendedora a olhou sem interesse e disse que não tinha seu tamanho. Ela me falou, à época, que teve vontade de chorar. Já estava cansada e não encontrava o que desejava. E valor era o que menos a preocupava. Fez a compra em outro lugar e estava linda no baile de sua formatura. Eu sou mais explosiva e várias vezes já disse o que pensava a quem me atendia de forma inaceitável. Quando o fazemos, logo vem a gerente para se desculpar, mas não aceito e vou embora.
      Quanto à política, tenho que admitir que também erro, por mais que tente acertar. Os debates são, de fato, cômicos. Não entendo como podem enganar tanto os eleitores. Os disfarces são visíveis demais.
      Você é sempre uma visita muito querida, bem consciente. Linda semana para vocês. Bjs.

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  9. Triste verdade, minha amiga! Infelizmente, não escolhemos os cordeiros... mas os lobos que melhor se disfarçam! E, assim, a vida continua a nos trazer decepções, muitas vezes por nossas próprias escolhas! Belo post, boa semana; meu abraço.

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    1. Meu amigo, as escolhas são, realmente, nossas. E vivemos arcando com os ônus delas, muitas vezes decorrentes de uma não criteriosa avaliação. Abraço.

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  10. Muito bom e real, as escolhas geram consequências desastrosas e nem sempre se consegue ver o lobo no corpo de um cordeiro. Infelizmente, na sociedade valoriza-se mais o estilo de vestir e outros ítens e a essência não é percebida. Eu tenho o hábito de prestar atenção aos gestos mais do que as palavras. Bjs

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    1. Norma, até os gestos e a postura são hoje aprendidos por quem deseja enganar. E nem sempre temos oportunidade para acompanhar comportamentos. Daí, nossas equivocadas escolhas, principalmente na política. Confesso que tento, mas nem sempre acerto rss. Bjs.

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  11. As aparências iludem, lá diz o ditado.

    E realmente é comum julgar-se as pessoas pelo
    traje e pela conversa mais ou menos
    fluida, muitas vezes enganadora.

    Descobrir quem é quem torna-se tarefa quase
    impossível a não ser que a própria pessoa descaia
    em alguma mentira.

    Bela crónica, minha amiga. Gostei muito.

    Beijo
    Olinda

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    1. E como iludem, Olinda! Se lemos as pessoas apenas pelo que vemos, por certo
      incorreremos em graves erros. E os políticos conhecem todos os trajes, agindo como camaleões. Grande abraço, querida!

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  12. Olá, Marilene, parabéns pela escolha do tema, DISSIMULAÇÃO, esse recurso usado com extraordinária frequência pelas pessoas que se comportam com falsidade para esconder atos por elas praticados, que quase sempre desagradam seus interlocutores ou terceiros. Tua bela crônica veio no meu entender nas pegadas do mestre Freud. Como não gostar, se a escrita é ótima, como ótimo é o tema?
    Uma ótima semana, cuide-se com o vírus.
    Um abraço!
    Pedro

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  13. Muitíssimo obrigada por suas palavras, Pedro. É sempre uma alegria para mim receber você a a Tais. Grande abraço para ambos.

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  14. E que bem escreves! Muito lindo, bom agora para o halloween :) beijos

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  15. Lá dizem os ditados: "quem vê caras não vê corações" e "as aparências iludem"...
    Hoje em dia vive-se muito de aparências e esquece-se de cultivar o interior para que transpareça fora.

    Beijinhos.

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    1. Os velhos ditados são atemporais. Nós é que, por vezes, nos esquecemos de suas lições. Bjs.

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  16. Aguardando o próximo post, Marilene. Lembrei-me de algo, amiga: se não me engano, a sua irmã também tinha um blog muito bom. Você pode me dar notícias dela? Meu abraço, boa semana.

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    1. Minha irmã ainda mantém o blog, com magníficas postagens, mas o fechou para comentários. Como matérias para reflexão são seu foco, preferiu agir assim. E ela sabe que muitos a visitam, apenas para ler as publicações, o que a deixa bem feliz. Abraço.

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  17. A sugestão é agir como o cego, que desconfia quando a esmola é grande. Belo post Marilene. Parabéns!

    Abraços,

    Furtado

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    1. Mas há o que aceitam, sem pestanejar. Confiam, confiam... e reclamam das consequências. Abraço.

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