22 setembro 2020

UMA NUDEZ SEM VÉUS

                                                                         (Zurab Martiashvili)



O mundo não perdeu a poesia, não nos tirou a alegria nem a esperança, não nos trouxe ônus que não podemos suportar, não nos jogou colina abaixo sem redes que nos acolham, não impediu que embalemos nossos corações feridos de saudade, não nos tirou a capacidade de voar nem de sonhar. Apenas desnudou-se de uma forma não esperada. E tudo mudou.

No mundo de ontem, a  indiferença, a falta de diálogo, a ausência de palavras, costumavam incomodar. Uns esbarrando nos outros sem sequer lhes dirigir um olhar. 
No mundo de hoje, um bom dia ou um aceno de mão bastam, pois ninguém pode parar para conversar.
 
No mundo de ontem, sorrisos e cumprimentos imediatamente apagados quando as costas se mostravam. Uma afetividade muitas vezes questionável.  
No mundo de hoje, a máscara, que muitos já usavam e que era de material invisível, passou a ser indispensável e no mesmo formato que as dos demais. Ficamos todos iguais. O verdadeiro sorriso mora no olhar, tão somente, mas a gente o sente.
 
No mundo de ontem, a pressa constante. Nada podia esperar.
No mundo de hoje, a espera é que é constante, assim como a lentidão dos passos, a sensação de que podemos conviver com a morosidade, sem nos atrasar.
 
No mundo de ontem, escritórios bem montados, burburinho, chefes pegando no pé rss, colegas que se queria ver, por vezes,  um pouco mais longe e que permaneciam colados, alguns usufruindo da energia positiva e da capacidade de terceiros.
No mundo de hoje, material de trabalho sobre a mesa, enquanto crianças brincam ao redor. Um contato direto com as atividades profissionais, sem interferência de terceiros, salvo dos que, sendo parte da família, nos sobrevoam sem cessar. Tranquilidade?? Certo que não, mas temos por perto os que moram no coração.
 
Dois mundos. Grandes e significativas diferenças. Uma pequena saída pode ser um caos , como ficar em casa também o pode ser. Ganhamos tempo para pesar as prioridades e nem é preciso colocá-las na balança para saber o lado para o qual vão se quedar as realmente importantes.
 
Tempo de reflexões. Tempo de sobrevivência. Tempo de adaptação a novos tempos, nem todos objetos de desejo. O círculo ainda não se fechou por completo, mas estamos todos dentro dele, aprendendo, mais uma vez, a dançar conforme a música que, certamente, exigirá passos para os quais não fomos treinados... ainda.

                                                                        
                                                                                      Marilene




26 comentários:

  1. Que beleza ruas reflexões... O mundo mudou mesmo...Estamos divididos no ANTES e DEPOIS do Corona..Antes, até queríamos por vezes nos isolar, hoje, estamos assim forçadamente... As famílias ficaram mais unidas, os que puderam estar dentro de casa juntos. Aqui em casa sentirei muita falta se as aulas presenciais iniciarem pois além de estar acostumada com a presença ali na sua escrivaninha, não teremos a devida confiança que estamos fazendo o certo ao mandar pra escola...

    Tudo mudado mesmo, porém por vezes, penso que aó para alguns...Vemos tantas e tantas agllomerações como se nada mais existisse e não é nem um pouco verdade isso. O mundo anda mostrando que não há ainda a segurança de estarmos LIVRES... Mas, pouco a pouco, com todos os cuidados, faremos nossa vida ...Diferente, mas viveremos... Confesso que guardarei minhas saídas apenas para coisas necessárias e que me façam bem, como passeios, natureza,... Compras? Supermercado Me esqueçam, rs...Apena on line! beijos, adorei te ler e refletir contigo! chica

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    1. É incrível, Chica, como os adeptos do ceticismo, impulsionados pelos governantes, agem como se nada estivesse acontecendo. E prejudicando terceiros. Tenho muito receio da volta às aulas e penso que o ano já está perdido para os estudantes. Terão que fazer dois em um, a partir de 2021, buscando a recuperação. O que espero, ansiosamente, é poder viajar com tranquilidade e estar junto ao mar que amo. Grande beijo!

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  2. Reflexão prolongada, profunda, e um pouco depressiva, apenas com um tom depressivo.
    Mas tocou em vários pontos do que é saber existir, e saber melhorar
    Gostei

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    1. A depressão é provocada pela ansiedade. Queremos que tudo passe e que possamos retomar nossas vidas, paralisadas por esse vírus. obrigada, poeta, pela presença e comentário.

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  3. Quanta verdade, Marilene! Antes, um sorriso, um abraço que se perdiam na virada de costas; hoje a ausência de afetos, do toque de cordialidade. Nada é escondido, é na frente, sem rodeios e nem disfarces. Os afetos serão mais escassos, porém acredito que mais sinceros e mais intensos. Temos saudades dos afetos sinceros, dos carinhos... mas ainda estou em dúvida quanto tempo levará para muitos se tornarem novamente indiferentes? Penso assim quando lembro das outras pandemias horrorosas da idade média pra cá, que pegou a civilização de cheio! Até quando seremos diferentes, mais ternos, mais amorosos, mais complacentes? Até quando nossas perdas serão sentidas ao ponto de mudar tanta coisa fútil? Muitos mudarão, sem dúvida, essa pandemia veio, fez seu estrago, mas deixará uma lição: somos muito frágeis! A vida se vai num sopro, um vírus acaba com sonhos, com família, com a vida em dois toques. Quero acreditar numa mudança, mas estou um pouco receosa.
    Belo texto para reflexão, deixamos aqui nossas esperanças e nossas dúvidas.
    Beijo, querida, uma boa semana! Como sempre, texto fantástico.

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    1. Tais, querida, acredito que, se a humanidade estivesse atenta para o já vivido, poderíamos estar em uma situação diferente. Não houve investimentos em pesquisas e preparo para ocorrências da natureza. Sempre começando do zero, as vitórias ficam bem mais difíceis e as desigualdades permanecerão em crescente aumento.
      Nossa fragilidade ficou exposta de maneira assustadora e teremos que aprender a caminhar de forma diferente. Obrigada pelo comentário, sempre lúcido e verdadeiro. Bjs.

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  4. Marilene
    Um texto que traduz a actualidade.
    Muito crú, muito real.
    Reflexão precisamos.
    Beijinhos
    :)

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    1. Vamos nos adaptando, Piedade. Talvez até possamos substituir as "perdas" por ganhos. Bjs.

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  5. Um texto digno de aplausos, Marilene.
    Uma das coisas que mudou muito para mim, é o fato de ter agora todas as minhas aulas apenas online. Perdi quase todos os alunos antigos no início da pandemia, sobram-me apenas três, mas adquiri outros online, em várias partes do Brasil e até fora.
    Adorando essa modalidade!

    Abraços.

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    1. Ana, novas perspectivas. Você descobriu outros caminhos e podem ser muito prazerosos. Bjs.

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  6. Belo, profundo e muito pertinente o teu texto Marilene. O dançar connprme a música lembrou-me uma frase que a minha querida e saudosa MÃE dizia: "A dor é quem ensina a parir". O importante é termos FÉ em DEUS que tudo passará.

    Abraços,

    Gurtado

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    1. Colocação certeira de sua mãe. E cá estamos nós, depois de abrir tantos caminhos,
      iniciando outra fase de aprendizado, no tocante aos passos que podemos ou não dar. Mais uma vez, parabéns e muitas felicidades para você e seus filhos. Abraço.

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  7. Bem o diz, querida Marilene:
    Tempo de sobrevivência mas também de reflexões.
    Um mundo feito de mudanças mais velozes do que alguma vez pensaríamos.
    Uma aprendizagem de todos os dias pois o que era dado como certo já
    não o é.
    Estamos no centro do furacão.
    Excelente texto.

    Beijo
    Olinda

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    1. Olinda, não somos mais os mesmos. Mudamos junto com o mundo e, por essa razão, temos que reaprender a caminhar. Muito obrigada pela presença e comentário. Bjs.

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  8. Ótima reflexão, mas nem para todos caiu a ficha. Muitas mudanças e necessidades de adaptações. Somos caminhantes e chegaremos ao ponto que for possível no contexto da humanidade tão cheia de ambiguidades. bjs.

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    1. Realmente, Norma. São muitas as desigualdades e o grau de confiabilidade. Em tudo. Bjs.

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  9. Quanta beleza nas imagens desta reflexao.

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  10. Uma reflexão que não deixa ninguém indiferente. No fundo, e por mais voltas que a vida dê, com avanços e recuos, Temos que nos reinventar, Marilene. É que, assim, isto é apenas meia vida.

    Um abraço :)

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    1. Temos uma grande capacidade para nos reinventar, felizmente. E para dançar os novos passos que a realidade pede. Abraço.

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  11. Verdade, Marilene; assim tenho pensado, também: são dois mundos diferentes, separados pelo breve reinado de um vírus invisível, que levou tantas vidas... e nos fez repensar a vida. Lembrei-me de uma música pouco conhecida do Roberto Carlos, em que ele diz: "Somos seres humanos. Não somos perfeitos... ainda.". Meu abraço, amiga; boa semana.

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    1. Perfeitos, nunca seremos. Isso não é ruim, pois encontraremos constantemente razões para nos modificarmos, em prol de um bem maior. Não importa que o mundo esteja diferente. Aprenderemos, certamente, a conviver com as mudanças. Abraço.

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  12. Boa noite de paz, querida amiga Marilene!
    Saio daqui dançando conforme a musicalidade do seu texto tão bonito.
    Muita coisa não estávamos preparados, mas estamos nos adaptando.
    Calor humano quando estamos juntos ainda que separados e sorriso nos olhos para os que podemos nos mostrar. Até mesmo os olhos estão cobertos na rua pelos óculos por medida de precaução.
    Um texto que revela uma escritora de visão larga no tempo conturbado.
    Tenha dias cheios de bênçãos!
    Bjm carinhoso e fraterno

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  13. Minha gentil e querida amiga, muito obrigada pelo constante estímulo. Estamos paramentados para não sermos reconhecidos rss. Bjs.

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  14. Olá, Marilene, uma crônica que retrata duas épocas e dois modos de vida, uma demonstração de que mudamos todos com a passagem do tempo, uns melhoram a sua compreensão da vida, e quando erram refazem o mal feito com dignidade, mas, penso que em outros tempos já foi melhor viver. Corrigir os erros era muito mais fácil. mais fácil também era viver em harmonia com os familiares e amigos. Não que tudo fosse perfeito, mas viver era mais fácil. Hoje, pela mudança muito veloz para que pudéssemos, os menos jovens, refazer o seu caminho. Os que nasceram nessa época "moderna" poderão achar que a vida que levam é normal, já que outra não conheceram.
    Parabéns, Marilene, por essa bela crônica filosófica.
    Uma boa semana com saúde.
    Fraterno abraço, Marilene.
    Pedro

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    1. Pedro, ontem estava pensando exatamente sobre suas colocações, quanto aos mais jovens. Os filhos de minha sobrinha não se lembrarão do mundo onde foram gerados. Não conhecerão esse nosso jeito gostoso de estar amontoados em família, abraçando e beijando os que nos são queridos. Aprenderão a manter distância como algo normal. E isso é muito triste. Você , a Tais e seu filho são extremamente gentis. Muitíssimo obrigada.

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