19 setembro 2020

O TRAUMA

                                                                           (Kylli Spare)


Já estava quase tudo preparado para a sonhada viagem. Talvez fosse melhor comprar mais um biquini, pensei. Aproveitei meu horário de almoço, no trabalho, e me dirigi à região dos jardins. Ao descer do táxi, uma dor intensa no pé me dominou. Não conseguia caminhar e, chorando, tive que me utilizar de um outro para retornar. A dor era insuportável. Aconselhada pelo chefe do serviço médico da empresa, dirigi-me à clínica ortopédica que me recomendou. Exames e mais exames, sem diagnóstico.  Ultrassom, tomografia... nada. Os médicos me aconselharam a não fazer  a viagem, mas já estava tudo pago e eu não estava disposta a abrir mão dela. Seriam apenas oito dias e só pretendia ser medicada, tomar um remédio que me aliviasse o sofrimento.
 
Percebendo que não mudaria de ideia, um dos ortopedistas sugeriu que eu comprasse tênis de cano alto , andasse pouco e permanecesse, o maior tempo possível com os pés para cima. Coisa de louco! Primeira viagem internacional e para Cancum!!!!! Biquini com tênis nas lindas praias, dá para imaginar?? Mas foi o que aconteceu rss. Certamente, os que me olhavam de forma estranha jamais poderiam entender minha "opção".
 
Não foi possível realizar todos os passeios, fazer os mergulhos, seguir a programação elaborada, previamente, com tanto cuidado e carinho. Mas segui os conselhos médicos e tentei aproveitar ao máximo o que me era permitido.
 
Os dias passaram rápido e logo me vi dentro do avião, para retorno. Já não sentia dor, embora continuasse mancando. Lá pelas duas horas da manhã (voo noturno), fui acordada com gritos. As bagagens caiam dos compartimentos sobre as cabeças dos passageiros. O carrinho de lanches passou voando pelo corredor e tudo que havia sobre ele foi pelos ares. Um homem se levantou, elevou os braços e começou a orar. Minha cunhada, que viajava comigo, em seu desespero, gritava: Vamos morrer! Vamos morrer! Não me mexi. Fiquei impassível, como se anestesiada. O avião me parecia um carro desgovernado passando por uma estrada esburacada e cheia de pedras.
 
As comissárias tentavam ajudar os feridos e colocavam máscaras em outros, principalmente nas crianças, que eram muitas naquele voo. Houve uma descida repentina e pensei que íamos cair no mar. Não sei precisar quanto tempo levou tudo isso e só dei por mim quando pousamos em uma cidade que não era a de destino. Fomos levados para uma lanchonete e, literalmente, trancados lá. Não fosse um voo internacional, teríamos sido liberados. Os alimentos terminaram, crianças choravam, muitas pessoas se acomodaram no chão, em total desconforto.
 
As horas passavam e nada... Disseram-nos que o avião precisava ser vistoriado e dependia de combustível.
E as horas passavam...
Alguns rapazes deixaram a lanchonete e resolveram não entrar mais naquele avião, sem se importarem com bagagem e gastos.
 
Seis horas depois, fomos encaminhados ao mesmo avião. Uma jovem mãe parou junto às escadas, recusando-se a subi-las. O marido praticamente a colocou à força dentro do avião. Agora, seriam apenas mais duas horas de voo até São Paulo. Tudo correu tranquilamente, do lado de fora, já que, por dentro, os passageiros levavam sua angústia, seu medo, sua revolta.
 
Quando voltei à clínica e fiz novos exames, os ortopedistas se reuniram e chegaram à conclusão que eu tivera uma fratura por estresse, no peito do pé, difícil de ser constatada. O melhor: já estava consolidada rss. Um deles me confessou ter alimentado receio de que a situação fosse muito mais grave que isso. Até pediram para ficar com meus exames, a fim de que fossem utilizados como ilustração, na faculdade onde lecionavam.
 
Fiquei pensando se a fratura não chegou como um aviso para que eu não viajasse. Mas, qualquer que fosse meu entendimento, isso nada mudaria.
 
Voltei à minha rotina, mas ganhei um negativo presente, o medo de voar. Tratei dele, mas só consegui reduzi-lo. Faço viagens curtas, tomando antes um ansiolítico. 

Assim foi minha primeira viagem internacional. E também a última. Para fazer outra, só com anestesia geral kkkkk .


                                                  Marilene



11 comentários:

  1. Nooooooooossa!rs...Teimosia que bem conheço e já fui apresentada à ela, rs... Bah! Que bom tudo acabou bem! E claro, o trauma ficará por muiiiiito tempo! Leitura muito bos,adorei! beijos, chica ( Ainda bem que nosso querido Nordeste é mais perto,não?)

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    1. Chica, mais de 20 anos e não venci o medo. Felizmente, aos pouquinhos, fui tentando as viagens curtas. E está certíssima, nosso amado nordeste está pertinho. Maravilha!!!! Bjs.

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  2. rsssss, Marilene, o texto foi dramático, mas ao mesmo tempo hilário! E claro que estou rindo, não quero esconder. Quem não tem algo semelhante para contar? Minha primeira viagem de avião foi para a Alemanha, um enjoo de cão! Quando desci a escada do avião, foi ali mesmo, amiga!!! Que vergonha! Lá no topo da escada, e pegou um pouco o casaco da mulher da frente! Medo do bom! Vendo aquele mar lá embaixo, cheio de tubarão? Descobri depois de anos que tenho um negócio chamado Cinetose, também chamada de enjoo de movimento, se caracteriza pela sensação de náusea em qualquer meio de transporte que se movimenta. Perturba o equilíbrio. Herança de minha mãe. rss Bem, mas voltando ao teu caso, você encasqueta, heim? Não era de viajar!!
    Amiga, muito bem contado, me diverti! (aliás, desculpa, não me diverti, não).rsss

    Beijo, um bom domingo!! Aguardo outras.

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    1. Tais, agora sou eu a rir, imaginando a cena. Um de meus sobrinhos enfrenta esse problema. Uma pequena viagem de carro e vem o enjoo. Não sabia que se chamava cinetose. Sabe, essa viagem me trouxe uma triste limitação. Poderia ter conhecido outros países e recusei todos os convites de amigas para tal. Disse a uma delas para me desacordar com uma batida na cabeça e me colocar no avião kkkkk. E acabei prejudicando a Vera, minha irmã. Sozinha ela não vai e meu cunhado também tem medo , pois passou por várias situações de risco em voos. Poderíamos ir juntas. Ela adoraria. Ano passado , com o coração nas mãos, fui à Argentina, acredita??? Penso que minhas irmãs viajaram rezando para que eu não tivesse um troço kkkkkkk .Linda semana para você!! Bjs.

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  3. Apesar de todos os percalços, ainda bem que você não desistiu; tenho certeza que, no fim das contas valeu bem a pena! Também não sou muito fã de voos longos, não; em toda minha vida, só fiz dois: um a Buenos Aires e outro a Lisboa. Claro que são quatro, contando ida e volta; mas, sinceramente: também valeu a pena! :) Meu abraço, amiga; boa semana.

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    1. Realmente, meu amigo, vale a pena. Só lamento o trauma que ficou rss. Abraço.

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  4. Tao bom divagar assim, pelo mundo fora. Sem controlo para a imaginação. Adorei
    😉

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    1. Pior é que não divaguei, poeta rss. Tudo verdade. Gostaria de não ter feito aquela viagem. O trauma me impede de conhecer outros países, principalmente Portugal, onde tenho raízes. Muitíssimo obrigada pela presença e comentário.

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  5. Este comentário foi removido pelo autor.

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  6. Querida vale a pena fazer algum tratamento. Há tratamentos específicos para este tipo de trauma. Eu em jovem amava entrar em avião, mais tarde as idas ao nordestes coeçaram a me assustar um pouco; muitas turbulências,Porém, nada me impediu de continuar viajar ( amo) apesar de não ficar mais eufórica com as viagens de avião. Bjs

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  7. Muito bem relatado. Deu para imaginar toda a situação. Se me deu um medo só de ler, o que seria se fosse comigo algo assim? acho que o trauma seria bem grande, não sei se voltaria a entrar num avião.

    Beijinhos.

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