16 agosto 2020

INTENSA


(Christine Comyn)



Na superfície, não precisamos nadar. Ficamos com a sensação de estar no controle, apreciando as belezas da vida, em calmaria.  Que ilusão! Nunca estamos protegidos contra arranhões e quedas. Se as águas se movem, repentinamente , só os mais preparados, os que , a duras penas, aprenderam a nadar, sairão vitoriosos. 

Estive pensando sobre isso ao me lembrar de uma grande amiga que perdi antes do Natal. A palavra que mais se encaixa para descrevê-la é intensa. Não alimentava dúvidas e se expunha sem qualquer receio. Trabalhando com eventos, sua sofisticação extravagante chamava a atenção de todos. Usava Caos e outras marcas que muitos não se arriscariam a vestir, mas que nela pareciam perfeitamente adequadas. 

Diante do amor, se entregava, fazia loucuras. Não fugia de sentimentos nem de desafios. Alguns a chamavam de aventureira, equivocadamente. Ela era apenas autêntica, formava suas opiniões e as mantinha sem se preocupar com os que dela discordavam. Sua idade, nunca soubemos. Campo minado onde ninguém podia entrar. Nem todos sabiam conviver com aquela mulher alta, loira, sorridente, tão destemida! Imaginavam que não sofria, só porque não olhava para trás quando algo não a levava ao fim objetivado. Que tolice! Apenas gostava de seguir em frente. Simples assim. Carregava a certeza de que, mesmo sendo grande a queda, isso não a impediria de prosseguir. Bastaria um banho restaurador, um vestido majestoso, saltos bem altos, e as cicatrizes desapareceriam.

Nem sempre concordávamos pois abraçávamos valores diferentes, o que não impediu nossa amizade e o carinho que dedicávamos uma à outra. Pertenço ao grupo que prefere não correr riscos. Penso e repenso antes de tomar uma decisão. Por impulso, só compra de roupas rss. 

Ela sempre foi a alegria do encontro de amigas que realizávamos a cada quinze dias. E, na maioria das vezes, era quem que escolhia o restaurante onde iríamos , pois, com seu trabalho, conhecia tudo na cidade. De nada reclamava, embora, obviamente, também fosse atacada por monstros. Creio que ninguém foge disso. A diferença é que os que vivem na superfície  têm mais dificuldade para vencê-los, pois carecem de experiências mais profundas.

Foi difícil, muito difícil, a perda. O que todos diziam, porém, como consolo, é que ela vivera intensamente e partira sem despedida, não tendo que lidar com essa possibilidade. Costumava brincar comigo dizendo que desejava ir para o inferno, pois o  céu deveria ser muito monótono .No inferno, já chegaria convidando todos para uma grande festa. E dávamos risadas.

Todos fazemos opções quanto ao estilo de vida. E, sendo elas conscientes e bem pensadas, não nos levam a arrependimentos. Eu não sou aventureira, mas não nego aplausos a quem se arrisca, sem medo. A rotina não me assusta e a família me basta para ser feliz.


                                                                                           Marilene



19 comentários:

  1. Perder amigas ,entes queridos sempre é difícil. Mas essa tua amiga foi realmente intensa e deve ter sido bem divertida e bom de com ela conviver! Falaste com ela, lembrando dela, enquanto escrevias ,certamente... Gostei de ler! beijos, tudo de bom,chica

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    1. Uma convivência adorável, realmente. Penso que ela não conseguiria viver os dias de hoje, pois confinamento não combinava com ela. Bjs.

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  2. Marilene
    essas pessoas só nos trazem bem, pelo menos dão-nos alegria e mais amizade do que outras que levam uma vida sempre regrada e sem nada a apontar.
    cada qual vive a sua vida como quiser e ninguem tem nada com isso, se não prejudicar ninguem.
    Deve ter sido muito triste para si a sua partida, mas ficam as boas memórias que ela deixou.
    Beijinhos
    :)

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    1. Deixou grandes lembranças para todos que com ela conviveram. E distribuiu alegria, um grande legado. Bjs.

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  3. Marilene
    essas pessoas só nos trazem bem, pelo menos dão-nos alegria e mais amizade do que outras que levam uma vida sempre regrada e sem nada a apontar.
    cada qual vive a sua vida como quiser e ninguem tem nada com isso, se não prejudicar ninguem.
    Deve ter sido muito triste para si a sua partida, mas ficam as boas memórias que ela deixou.
    Beijinhos
    :)

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  4. Olá, Marilene, as pessoas são diferentes e ponto. Vai então sabermos lidar com essa gente tão diferente de nós e por elas termos grande carinho e vice-versa. Também sou de não arriscar, gosto de coisas claras e seguras, pois tudo tem um preço, às vezes alto demais, mas elas sabem lidar com isso, outras não sabem e o tombo é grande. Não acho que estou certa,são apenas estilos de vida diferente.
    Gostei de ler, crônica bem moderna!
    Uma ótima semana
    beijo, até mais!

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  5. Concordo, plenamente, com você, Tais. Não estou disposta a pagar esse preço alto que, certamente, onera as pessoas que optam por estilos de vida assim. Temos que conviver bem (ou tentar) com todos. E há aqueles que, gratuitamente, nos conquistam, independentemente das, por vezes, gritantes diferenças. Grande beijo e uma linda semana para você.

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  6. Penso mais ou menos como você, Marilene: estou mais pra caseiro e não curto grandes riscos; mas admiro as pessoas que o fazem. :) Muita bonita a homenagem à sua amiga; grande alegria em ver você de volta! Meu abraço, boa semana.

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    1. Havendo respeito e aceitação, as diferenças não impedem uma linda amizade.
      Senti saudades dos blogues. Abraço.

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  7. Oi Marilena,

    Ainda bem que Deus fez uma pessoa diferente da outra se fôssemos todos iguais seria uma equação chata.
    Temos que respeitar o outro assim como Deus nos respeita.
    A coisa mais certa que Deus fez foi a morte, pois dela ninguém escapa e ficaremos todos iguais.
    Beijos no coração
    Lua Singular

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    1. Somos diferentes e isso só nos enriquece, não é?? Bjs.

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  8. Olá, Marilene!
    Somos parecidas neste aspecto, receio muito vôos arriscados, tenho os pés no chão, embora adore poesias.
    Mas, também tive uma amiga assim, já partiu pro outro lado, vivia na corda bamba em muitos sentidos e por vezes eu até a admirava, mas chegava sempre à conclusão de que meu modo era o melhor pra mim. Mas, ainda bem existe essa diversidade entre os seres humanos, isso é que dá o caldo da vida e nos faz ter boas lembranças também.
    um beijinho com carinho

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    1. Fazemos opções. O voo inconsequente não faz parte de minha vida. Nada tenho de aventureira rss.

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  9. Oi Marilene!Só por curiosidade, sua amiga morreu de covid-19? Lá no trabalho perdemos uma colega. Mas estas pessoas diferentes de nós nos ensinam muito, mostram pra nós que existem outras formas de viver,que temos escolhas na vida,opções.O importante é fazer nossas escolhas e seguirmos em frente certas que estamos fazendo o que é melhor pra nós;e porque não experimentar algo novo de vez em quando? Bom fim de semana!💋

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    1. Ane, ela não morreu de covid. Câncer que não sabia possuir. Um mal estar, um pronto socorro, uma descoberta, uma cirurgia de emergência... não mais acordou.
      E a filha dela está terminando a faculdade de medicina. Era fantástica! Bjs.

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  10. Oi mana,
    Linda crônica!
    Retratação perfeita da nossa alegre e vibrante amiga, que partiu tão precocemente!
    Beijo.

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    1. Cedo mesmo. Tão cheia de vida! Mas creio que ela não suportaria a realidade que estamos enfrentando. O confinamento acabaria com ela. Bjs.

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  11. Que bonito, Marilene. E sinto pela sua perda. bjs

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